domingo, 30 de junho de 2013

Ghost Of My Romeo

Estava revirando alguns arquivos aqui no computador e achei algo surpreendente. Um bom pedaço de um conto que escreve há uns anos. Algo bem ultrarromantismo, a propósito. Vou postar o único capítulo que tenho - não tem final e se na época eu imaginei algum, não lembro mais.

Ghost Of My Romeo

– Está frio... muito frio. Não consigo sequer aguentar-me sobre as pernas. Todos os dias nebulosos de minha miserável vida, eu permaneço aqui, olhando teu aposento de pedra, lamentando tua partida como se fosse minha culpa, encharcando meus lenços de lágrimas e meu coração de culpas desvairadas. Não devia ter sugerido essa ideia e, acima de tudo, não deviria ter feito aquilo. Sinto-me culpada, meu Romeo, todas as vezes que toco meu corpo imundo, que sinto o quão impura sou, e tu confiaste tão cegamente em mim, amaste-me mais que tudo, e eu... eu não mereci teu amor. Apesar de ter sido apaixonada obsessivamente, loucamente decidia em fazer-te meu, eu não consegui resistir à noite de minha despedida. Sou doente? Devo ser... Doente por ti, meu Romeo. Não mereço-te. Como sei que estais no paraíso, farei isto para jamais encontrar-te. Meu destino é o inferno.

A chuva começou a pingar timidamente sobre aquela silhueta feminina parada sozinha frente a um túmulo do cemitério. Ela parecia não se importar com o frio ou o vento cortante. Sequer prestara atenção que quase anoitecia e deveria sair de lá rapidamente. Ao longe, a mulher parecia não se passar de uma cortesã, mas nada comprovava a procedência da dita “lady” que também poderia enganar-se como uma bela dama da corte.

Os tempos dos reis já se terminavam, muitos estados já haviam se formado e em breve todos aqueles títulos pífios de nobreza acabariam. Contudo, a jovem pouco se importava com papéis de vassalagem dados há gerações passadas por reis e nobres figurativos de uma época feudal, remota e irrelevante.

Estava na Alemanha, mas era proveniente de uma região da Renânia, logo, era mais francesa que germânica. Ao longe parecia ser uma mulher bela, que causara suspiros em muitos cavaleiros, nobres, reis e fora o sonho até mesmo do mais ordinário camponês ou ferreiro das províncias por onde passara.

Ela estava encapuzada, sentindo a chuva transpassar pela sua capa de veludo. Lentamente começou a caminhar. Em sinal de insolência e pouca culpa, pisou sobre a cova de um dito Romeo por quem chorava. Talvez fosse ela uma moça insana que acreditava bobamente que vivera um romance Shakespeariano chamando o miserável a apodrecer naquela cova de seu Romeo. Mas de qualquer forma, a história não condizia com sua existência, afinal, se ela mesma acreditasse que poderia ao menos ser uma Juliet, deveria jazer fria e morta junto à cova de seu Montecchio.

Estranhamente, ela tinha um sorriso estampado no rosto. Um sorriso psicótico e doentio formado por dentes muito brancos e arreganhados numa boca delineadamente perfeita. O vento soprou firme em sua face e fez o capuz cair. A mulher pareceu não se importar. Sequer estremeceu-se com a gélida brisa. O sol já desaparecera a oeste e as sobras já se deitavam sobre as terras do leste, seu próximo destino.

Sua história era desconhecida. Havia rumores que poderia ser um bruxa que enfeitiçava jovens rapazes ou uma vampira traiçoeira que fazia-os cair de amores pela sua beleza. Sua ancestralidade era quase tão oculta quanto seu próprio sobrenome. Alguns chamavam-na de Veuve Noire, outros apenas referiam-na como Bella Donna, mas para seus apaixonados era conhecida apenas como Cécile.

Possuía belos cabelos dourados como os raios de sol matutinos que timidamente despontavam do horizonte anunciando uma fria manhã de primavera. Eram cacheados como o próprio ouro cultivado em fios brilhantes e longos. Sua pele era tão alva quanto os primeiros flocos de neve do inverno, seus lábios vermelhos como os primeiros morangos da colheita e seus olhos, ó olhos traiçoeiros, eram de um anil inimaginável que fazia até mesmo o céu do verão sentir inveja de tais orbes.

– Será que terias coragem de me buscar de volta? – perguntou para si mesma como se estivesse falando com alguém a seu lado. A resposta não veio. Cécile apenas continuou rindo e disse mais uma vez:

– Agora eu hei de terminar nossa história. Irei em busca daquele que me desonrou e te desonraste. Teu melhor amigo, Romeo, morrerá como todo impuro merece perecer. Era ele Benvólio ou Mercúrio? Ou apenas Páris a cortejar sua pura Juliet? Lamento, meu Romeo, este era o próprio Judas.

Quem visse por acaso a moça falar assim, provavelmente acharia que estava completamente acometida por uma doença ou possuída pelo próprio demônio.

Cécile caminhava por um campo aberto, recebendo toda aquela chuva sobre os cabelos. Andou por algum período até que finalmente chegou a um vilarejo. Ela sabia que era este o lugar onde o dito “Benvólio” se encontrava. Buscou por um momento pela taverna preferida do cavalheiro, até que encontrou a indicação que precisava “La Chevalerie”.

Sem hesitar, empurrou a porta impolidamente e entrou num lugar que poucas mulheres ousariam entrar. Até mesmo as mais indecentes mademoiselles não tinham coragem de infiltrar naquela taverna.

– Posso ajudar, milady? – perguntou irônico e lascivamente o dono da choperia.

– Procuro um certo cavalheiro. – disse Cécile assentando-se próximo ao balcão. Rapidamente ela arrancou a capa negra e aveludada que vestia e entregou-a ao dono da taverna imperativamente para que ele a guardasse no cabideiro.

Com o colo desnudo, ela cruzou seus braços e deixou o decote a mostra. Os olhos do taverneiro repousaram nas curvas lascivas de Cécile e ali permaneceram. Só fora retirado daquela vertigem no momento que ela batera a mão na mesa e exigira uma caneca de cerveja.



NOTAS: Os personagens são figurativamente comparados aos personagens de Romeu e Julieta de Shakespeare. (Benvólio e Mercúrio também).

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